Ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal é acusado de usar o cargo para promover a candidatura de Jair Bolsonaro à reeleição
O Ministério Público Federal (MPF) apresentou recurso contra a decisão da 8ª Vara Federal do Rio de Janeiro que considerou improcedente ação de improbidade administrativa ajuizada contra Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na apelação enviada nessa segunda-feira (26) ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), o MPF reitera que as condutas apontadas – participação em eventos públicos oficiais, entrevistas e postagens em redes sociais em que Silvinei elogiava o ex-presidente Jair Bolsonaro, então candidato à reeleição – indicam que o ex-diretor-geral usou o cargo mais importante da PRF para favorecer uma pessoa, contrariando o princípio da impessoalidade previsto no art. 37, §1°, da Constituição. O órgão reafirma que as condutas ferem o art. 11, caput e inciso XII da Lei n° 8429/92 (Lei de Improbidade), alterada pela Lei n° 14.230/2021.
A ação de improbidade foi ajuizada em novembro de 2022. Um dos episódios questionados pelo MPF ocorreu quando Silvinei participou da formatura do Curso de Formação Policial daquele ano. Na qualidade de chefe da PRF, ele proferiu discurso elogiando Bolsonaro, àquela altura em campanha pela reeleição. Ele também concedeu entrevista à Jovem Pan enaltecendo o ex-presidente e fez postagens em redes sociais com o mesmo teor. Por fim, em evento oficial realizado na sede da PRF em Brasília, Silvinei presenteou o então ministro da Justiça com uma camisa de time de futebol com o número 22, em clara alusão a Bolsonaro.
Na sentença, o juiz considerou que não teria havido dolo (intenção de praticar o ato ilícito) nem ilegalidade qualificada pela corrupção nas condutas, afastando a incidência da Lei de Improbidade segundo a redação atual da norma. No caso das redes, como as postagens ocorreram na conta pessoal do ex-diretor, e não em contas oficiais, o magistrado entendeu que não houve uso de recursos públicos e que as publicações não se enquadram como publicidade institucional.
O procurador da República Eduardo Benones (autor da ação inicial e da apelação) rebate esses entendimentos. Ele argumenta que a Constituição garante proteção especial à probidade administrativa, enquanto a Convenção de Mérida, da qual o Brasil é signatário, veda qualquer retrocesso no combate à corrupção. Diante disso e conforme entendimento já consolidado pela Câmara de Combate à Corrupção do MPF, a nova redação do art. 11 da Lei 8.429/92 deve ser interpretada conforme a Constituição, de modo que o rol de condutas ali descritas seja exemplificativo, e não taxativo. “Existem outras condutas, não capituladas nos incisos da nova redação do referido diploma legal, as quais também atentam ‘contra os princípios da administração pública’ e que violam ‘os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade’”, afirma.
Fatos e provas – O recurso do MPF ressalta que Silvinei Vasques participou de eventos oficiais e conduziu entrevistas não como uma pessoa comum, mas na qualidade de diretor da PRF. Tanto é assim que, em todas as ocasiões, ele usou a farda e os emblemas da corporação, enfatizando sua posição oficial. Como agente público no exercício de uma função pública, ele deveria ter observado os deveres “de honestidade, de imparcialidade e de legalidade em suas manifestações”.
“Não poderia o réu ter se aproveitado da ocasião para realizar promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos, comportamento expressamente vedado pelo art. 37, §1°, da Constituição”, explica Benones. O procurador defende também que todas as manifestações – veladas ou ostensivas – foram feitas de livre vontade, com o fim de obter vantagem indevida de natureza político-partidária para Jair Bolsonaro, que havia nomeado Silvinei para a chefia da PRF.
No evento em que ele presenteou o ministro da Justiça com a camisa com o número 22, todos os servidores policiais e administrativos lotados na sede nacional da PRF foram convocados para o ato, sendo o comparecimento obrigatório. Silvinei presidiu a solenidade na qualidade de chefe máximo da PRF e, por isso, sua conduta deveria ter sido pautada pelos princípios básicos da Administração Pública.
Redes sociais – No caso das postagens em contas pessoais em redes sociais, o MPF lembra que o ex-diretor-geral não utilizava suas redes para postar conteúdo de cunho pessoal. Na fotografia de perfil, ele aparecia fardado; nas postagens, eram frequentes imagens, marcas e logotipos da PRF, gerando uma “confusão intencional entre vida pública e vida privada”. Para Benones, diante dessas circunstâncias, não é possível dissociar a manifestação da autoridade da manifestação do cidadão, ainda que ela tenha ocorrido em contas pessoais. “Ao incutir emblemas, logotipos e uniformes oficiais da instituição em suas redes sociais particulares, o réu trouxe para o âmbito privado as normas de direito público que regem sua relação especial de sujeição com o Estado”, afirma.
“O réu desvirtuou a utilização de suas contas privadas em redes sociais, a fim de promover enaltecimento de agente público candidato à reeleição, inclusive, com pedido explícito de voto na véspera do segundo turno de votação”, aponta o recurso. Segundo o MPF, isso configura propaganda eleitoral ilícita e violação aos deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, ensejando responsabilização por ato de improbidade.
Benones defende também que a expressão “recursos do erário”, prevista no art. no art. 11, XII, da Lei nº 8.429/92, não é restritiva e não significa que a improbidade ocorre apenas quando há desvio de dinheiro público. Há uma dimensão imaterial do patrimônio público, o que possibilita vislumbrar lesão ao interesse público mesmo sem prejuízo financeiro ao erário. “Como as condutas foram praticadas mediante utilização da imagem, de emblemas e de logotipos da PRF, é inegável o emprego de recursos imateriais integrantes do patrimônio público”, afirma, ao defender que estão previstos os requisitos legais estabelecidos pela Lei de Improbidade.
O MPF pede que que o TRF-2 anule a decisão de primeira instância para condenar Silvinei ao pagamento de multa, em dobro, de até 24 vezes o valor da remuneração recebida por ele em outubro de 2022, além da proibição de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, pelo prazo não superior a quatro anos.
Processo 5086967-22.2022.4.02.5101. Recurso de Apelação
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