Na abertura do inventário descobri que os imóveis da herança são imóveis de posse. O inventário poderá ser feito?
- Jorge Ribeiro Silva
- 5 de mai.
- 4 min de leitura

Não é incomum descobrir fatos desagradáveis quando se inicia um procedimento de Inventário: a divisão da herança escolhida pelo falecido através do seu Testamento pode ser uma delas mas uma que com certa frequência nos ocorre é aquela onde os herdeiros “descobrem” que os bens transmitidos na verdade estão irregulares desde sempre e nunca foram resolvidos pelos seus falecidos titulares. Essa “irregularidade” pode abarcar os casos de imóveis comprados, quitados (ou não) mas que nunca tiveram Escritura definitiva recebida ou mesmo aqueles imóveis desde sempre ocupados mas que nem mesmo possuem qualquer documento que justificasse a ocupação (como uma Promessa de Compra e Venda, por exemplo). Nesses casos, efetivamente o que o falecido detinha são os chamados “direitos possessórios” muitas vezes e não um “direito real do promitente comprador” e muito menos a “propriedade” do imóvel. E agora? Em tal situação os herdeiros têm direito a incluir esses “direitos possessórios” em inventário e partilhá-los?
Inicialmente é preciso recordar que o INVENTÁRIO é o procedimento destinado a formalizar a transferência (que decorre de Lei – art. 1.784 do CCB) do patrimônio do falecido aos seus sucessores, independentemente da situação registral dos bens. Assim, desde já deve ser compreendido que a existência de imóveis que não estejam formalmente registrados/regularizados em nome do de cujus não deve impedir a abertura e processamento do inventário. Tal procedimento é necessário para reconhecer juridicamente a titularidade hereditária sobre tais direitos aquisitivos/possessórios e inclusive possibilitar a regularização futura dos imóveis.
A legislação brasileira, em especial o artigo 1.206 do Código Civil, estabelece que a posse é transmissível aos herdeiros ou legatários com os mesmos caracteres, permitindo que os direitos possessórios sejam incluídos no acervo hereditário e objeto de partilha:
“Art. 1.206. A posse transmite-se aos herdeiros ou legatários do possuidor com os mesmos caracteres”.
Essa possibilidade é corroborada por diversas decisões judiciais que reconhecem a viabilidade de inventariar e partilhar direitos possessórios, desde que devidamente comprovados – ainda que alguns Juízes ainda hoje teimem em negar tal possibilidade – o que com certa facilidade é revertido em sede de recurso, como ilustra a decisão abaixo:
“TJES. 50090471120238080000. J. em 11/09/2024. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
INVENTÁRIO E PARTILHA. EXCLUSÃO DE BEM IMÓVEL. PARTILHA DE DIREITOS POSSESSÓRIOS. ARTS. 1.206 E 1 .207, DO CC. DIREITO TRANSMISSÍVEL E AUTÔNOMO. (…). 1. Admite-se a partilha de direitos possessórios sobre bens imóveis não escriturados, notadamente diante da autonomia existente entre o direito de propriedade e o direito possessório e da existência de expressão econômica do direito possessório como objeto de partilha. Ademais, a posse consubstancia espécie de direito transmissível (arts. 1 .206 e 1.207, do Código Civil), a corroborar o raciocínio de que se trata de patrimônio partilhável a ser incluso em inventário, com arrimo nas disposições do art. 620, inciso IV, alínea g, do CPC. (…)”.É importante destacar que a partilha de direitos possessórios não confere automaticamente aos herdeiros o “direito de propriedade” sobre os bens. Devem os interessados ter ciência, diante das peculiaridades desse tipo de Inventário, que a partilha de direitos possessórios define apenas a cota parte dos herdeiros nos direitos possessórios transmitidos, sendo necessário regularizar a situação do imóvel para que eventual “propriedade” sobre os imóveis objetos do direito possessório seja efetivamente adquirida. Essa regularização pode ser realizada por meio de ações judiciais, como Adjudicação Compulsória ou Uusucapião – a depender do caso – ou por meio de PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS, conforme também as peculiaridades do caso concreto.
Outro aspecto importantíssimo e de grande relevância é a impossibilidade de registrar direitos possessórios no Registro Geral de Imóveis (RGI). A posse, por não ser considerada um direito real nos termos do artigo 1.225 do Código Civil, não possui previsão legal para ingresso no fólio real. Assim, o formal de partilha ou Escritura de Inventário que inclua direitos possessórios não poderá ser registrado no RGI enquanto não houver a conversão desses direitos em propriedade, por exemplo, por meio de Usucapião.
Dessa forma, é importante ressaltar que, embora o Inventário de “imóveis de posse” seja permitido – tanto pela VIA JUDICIAL quanto pela VIA EXTRAJUDICIAL – ele não substitui a necessidade de regularização dos bens para que todos os benefícios da regularização perante o RGI possam ser alcançados pelos herdeiros (como a publicidade e a oponibilidade, além da evidente segurança jurídica oriunda dos Registros Públicos). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e de diversos Tribunais Estaduais reforça que os direitos possessórios possuem valor econômico e podem ser partilhados, mas sua regularização é indispensável para que os herdeiros adquiram o domínio pleno sobre os bens. Não por outra razão o acerto do disposto no art. 445 do Código de Normas Extrajudiciais do Rio de Janeiro que expressamente admite o INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL nessas condições:
“Art. 445. Podem ser objeto de inventário bens e direitos, incluindo imóveis pendentes de regularização junto ao Poder Público, assim como DIREITOS POSSESSÓRIOS sobre imóveis, devendo constar do ato a ciência dos interessados de que o registro de propriedade ficará condicionado à sua efetiva regularização.Parágrafo único. O inventário do direito possessório, por si só, não confere direito subjetivo aos herdeiros quanto à futura usucapião, cabendo ao tabelião aferir os elementos para lavratura da ata notarial e ao oficial registrador a viabilidade do seu registro”.
Fonte: Julio Martins
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