Por Angela Borges Kimbangu
Essas últimas semanas têm sido muito tristes para a sociedade, assistimos exaustivamente em todas as mídias, a triste história e morte de Henry Borel Medeiros, um menino de apenas 4 anos que, antes de morrer, foi submetido a todos os tipos de torturas físicas e psicológicas dentro de um lar com a aparência de saudável, de uma “família padrão perfeita”.
O menino, dentro de sua generosidade pueril, pretendeu proteger a figura materna, e diante das atrocidades a que era submetido, preferiu quase sempre se calar e “colaborar” para vê-la “realizada”, ao ponto de perguntar:
“Mãe, eu te atrapalho? O tio disse que eu atrapalho”.
Papeis invertidos.
A criança, um filho que tenta proteger a mãe, uma pessoa adulta.
A mãe, “pessoa adulta” que se mostra incapaz de proteger a criança que ela gerou, fechando os olhos para a barbárie praticada dentro do lar, debaixo de seu nariz.
E em tenra idade, com vinte e três lesões em seu corpo infantil, foi a óbito.
O lamentável fato ressalta a forma como tratamos a infância diuturnamente.
Violências esdrúxulas perpetradas ao arrepio da lei, fora dos olhos, fora das câmeras, dentro das casas, dentro das “famílias”, dentro dos acolhimentos infanto juvenil, dentro dos estabelecimentos escolares, dentro dos clubes, dentro do Estado brasileiro.
E por conta disso, somos levados a uma profunda reflexão coletiva do que significa e do que compreendemos por infância - o momento mais especial da vida de um ser humano.
Nessa esteira, é preciso ressaltar a diferença de tratamento dispensado em casos diferentes relacionados com crianças, pois na memória dessa mesma sociedade não se pode apagar o recente caso do desaparecimento dos três meninos de Belford Roxo, baixada fluminense do Rio de Janeiro, Fernando Henrique (11), Alexandre da Silva (10) e Lucas Matheus (8), desaparecidos desde 27 de dezembro, ainda sem conclusão das investigações da polícia.
Fazendo uma breve comparação, o descaso fica evidente, pois o tratamento de forma desigual na elucidação dos dois casos grita:
De um lado, O Foco no caso de um menino branco, de classe média, morador de um condomínio de luxo e, de outro, O Descaso no desaparecimento de três meninos pretos, pobres, moradores da baixada.
Tão logo os meninos desapareceram, as famílias procuraram a polícia buscando ajuda para a localização, tendo recebido a orientação equivocada de que deveriam aguardar por 24 horas para o registro.
Ora, o ordenamento jurídico brasileiro vigente trata crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e com prioridade absoluta, mas será que a polícia não sabe disso?
A falta de interesse na investigação do desaparecimento dos meninos pretos e pobres ficou ainda mais gritante com a notícia da morte do menino Henry, que teve toda comoção social e a atenção imediata do Poder Público na elucidação do caso.
É tão expressiva a pouca importância dada à investigação do desaparecimento dos três corpos pretos infantis, que essa mesma polícia informou que não os havia localizado nas câmeras de segurança, sendo que, mais tarde, o Ministério Público do RJ, através das mesmas imagens, localizou os três meninos caminhando por uma rua em um bairro vizinho.
Mas independentemente de cor ou posição social, não estamos todos diante de dois casos gravíssimos que merecem toda a atenção do Poder Público, das mídias, das famílias e da sociedade?
São quatro meninos com apenas duas diferenças: a cor da pele e a condição social/financeira. Mas, todos são meninos, todos são importantes. Portanto, devemos exigir da mesma forma justiça para todos igualmente com a mesma consternação.
Com esses acontecimentos um alerta fica ligado, sinalizando como encaramos nossas crianças e o nível de importância e consciência que temos a respeito de um assunto tão caro, a infância.
Ainda ontem, 15 de abril, comemorávamos o Dia do Desarmamento Infantil, quando dizemos todos os anos como mantra que crianças não devem brincar com armas, que armas, ainda que de brinquedo, remetem a exposição da infância à violência. Nesse dia e nos outros também, pretendemos ensinar pais, famílias, sociedade de que não se deve ensinar a violência às crianças.
E acreditem, muitas das vezes ouvimos do “adulto” que pretende transferir sua responsabilidade de proteção para a criança a pérola máxima de que a “criança é quem quer”.
Os fatos supracitados infelizmente demonstram o nível de adoecimento de uma sociedade que, em pleno século XXI, ainda não consegue compreender o valor da infância - curto lapso temporal da vida de um ser humano.
É urgente retornarmos à nossa humanidade a fim de fazermos uma reflexão honesta sobre nossos comportamentos de preferências que elegem um e desclassifica outros.
Todas as infâncias devem ser priorizadas, privilegiadas, reverenciadas e protegidas por todos.
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