Inquéritos apuram as causas e as circunstâncias da morte de três girafas no Resort Hotel Resort Safari Portobello, em Mangaratiba (RJ), e possível ilegalidade da importação
O Ministério Público Federal (MPF) presta informações sobre as investigações relacionadas às dezoito girafas que foram importadas pela empresa RioZoo Zoológico do Rio de Janeiro S/A (BioParque):
O caso - Em 14 de dezembro de 2021, quando já finalizado o período de quarentena dos animais importados da África do Sul, e depois de iniciado o processo de manejo, um grupo de girafas conseguiu escapar da área de cambiamento, no Resort Hotel Resort Safari Portobello (Hotel Portobello S.A.) Três girafas morreram na ocasião.
As investigações em curso - Assim que obteve conhecimento dos fatos, o MPF requisitou a instauração de Inquérito Policial para apurar as causas e circunstância das mortes dos animais e também possível ilegalidade da importação. Além disso, expediu Recomendação, instando o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) a iniciar os procedimentos necessários à devolução de 15 girafas importadas ilegalmente da África do Sul pelo Zoológico do Rio de Janeiro (BioParque). O MPF também recomendou a suspensão de todos os processos de importação em nome do RioZoo Zoológico do Rio de Janeiro S.A., por qualquer outro empreendimento do Grupo Cataratas, pelo Zoológico de Pomerode/SC (Fundação Hermann Weege) e pelo Hotel Resort Safari Portobello (Hotel Portobello S.A.). O MPF ainda notificou o BioParque a informar a data de início e conclusão das obras de adequação da área onde se encontram depositadas as girafas, de forma a garantir o pleno bem-estar e saúde dos animais.
Para investigar os fatos e acompanhar o cumprimento das recomendações, o MPF instaurou o inquérito Civil nº 1.30.001.000263/2022-38. Em resposta à Recomendação, o Ibama informou que os processos de importação de outros animais, de interesse da empresa que importara as girafas, havia sido suspenso. Em relação à devolução dos animais, esclareceu que não havia tratativas para devolução dos animais, reportando-se ao Parecer Técnico nº 3/2022-COMEX/CGMOC/DBFLO, os quais respaldaram a regularidade da importação.
Ainda no primeiro trimestre de 2022, o MPF requisitou, ao Instituto de Veterinária da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), análise acerca das condições do abrigo, alimentação, atendimento veterinário e eventuais alternativas sobre o destino final dos animais. Em resposta, especialistas da Universidade apontaram algumas inadequações que deveriam ser corrigidas. Uma vez requisitada a prestar informações, a RioZoo comunicou que a execução do projeto da área de manejo dos animais estava em andamento, de forma que uma parte da área externa estaria apta para utilização e que os animais já estavam em processo de soltura. A empresa informou ainda que as obras de reforço estrutural e a construção das demais áreas de manejo estavam em etapa de finalização.
A empresa prestou novas informações, em maio de 2022. Segundo o BioParque, a estrutura de manejo, de segurança e, sobretudo, o condicionamento das girafas, já se encontravam em “estágio muito avançado” em relação à vistoria que havia sido feita em fevereiro pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
Com efeito, quando os técnicos da UFRRJ constataram as inadequações no espaço onde estavam os animais, em 23 de fevereiro de 2022, também reconheceram que obras de adequação já estavam em andamento. Nos quesitos nutricionais e de saúde, entretanto, a UFRRJ, ainda em fevereiro, observou que as condições às quais estavam submetidos os animais eram “adequadas”. Considerando, todavia, que no quesito comportamental a situação foi considerada apenas “regular”, os técnicos da Universidade concluíram que, no geral, o diagnóstico foi considerado “inadequado”. Além disso, a UFRRJ considerou que “o fato de o recinto não estar totalmente concluído no momento do ingresso das girafas no país e da chegada no Portobello Resort & Safári foi fator determinante para o incidente que culminou com o escape e morte de três indivíduos”. Sobre o ponto, acrescentou que “a importação das girafas não deveria ter sido autorizada enquanto não houvesse a comprovação da existência de recintos capazes de abrigarem a quantidade de animais proposta (dezoito)”.
Em maio, o MPF voltou a requisitar ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), com urgência, nova vistoria no Portobello Resort & Safári, em Mangaratiba (RJ). Cumprindo a requisição, o Inea, após inspeção técnica realizada em 23 de maio de 2022, não constatou maus tratos, abuso ou condição insalubre no Resort onde se encontram as girafas.
Ação Judicial na Esfera Estadual - Em paralelo ao desdobrar das investigações, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e a Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) já haviam ajuizado ação civil pública nº 0017220-37.2022.8.19.0001 perante o Poder Judiciário Estadual. A ação foi proposta em face do Estado do Rio de Janeiro, Município do Rio de Janeiro, Hotel Portobello, RioZoo Zoológico do Rio de Janeiro S/A, Grupo Cataratas do Iguaçu S/A e Município de Mangaratiba. Em síntese, as duas organizações não governamentais demandaram pelo fornecimento de condições adequadas à guarda dos animais, pela remoção das girafas para outro local reputado mais adequado e a condenação dos réus, solidariamente, a pagar indenização por dano moral à coletividade.
Em 03 de fevereiro de 2022, a 7ª Vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro concedeu liminar, determinando que o BioParque realizasse as obras necessárias para construção de local adequado para a permanência das girafas, observando as normas em vigor. Posteriormente, o juízo estadual determinou a realização de perícia a fim de verificar se os réus cumpriram ou não a decisão. Produzido o laudo pericial, o magistrado estadual não reconheceu descumprimento da decisão judicial e declinou da competência em favor da Vara Única da Comarca de Mangaratiba, local dos fatos e onde estão alojadas as 15 girafas sobreviventes.
Ação Judicial na Esfera Federal - O Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal e a Agência de Notícias de Direitos Animais (Anda) ajuizaram nova Ação Civil Pública, desta vez perante a Justiça Federal. A ação 5052988-69.2022.4.02.5101tramita perante a 12ª Vara Federal do Rio de Janeiro e tem por objeto principal a anulação de Procedimento de Importação de animais silvestres exóticos realizado pelo BioParque. Além disso, as autoras pediram, secundariamente, que os réus fossem obrigados a cuidar adequadamente das 15 Girafas sobreviventes, até que elas fossem transferidas para algum santuário no Brasil, uma vez que a devolução dos animais para a África do Sul seria inviável em razão da logística e da inexistência de cooperação entre os países nesse sentido.
Na ação intentada perante a Justiça Federal, o MPF apresentou parecer apontando a reprodução parcial dos pedidos já formulados perante o juízo estadual, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro. O juízo da 12ª Vara Federal reconheceu referida litispendência parcial. Conforme ressaltado pelo magistrado, tais “pedidos correspondem à mesma relação jurídica de direito material submetida ao Judiciário por meio da ação civil pública n° 0017220- 37.2022.8.19.0001”.
Sendo assim, não cabe rediscutir, na Justiça Federal, questões referentes a guarda, proteção e remanejamento dos animais, bem como possível condenação por dano moral coletivo. Do mesmo modo, o pedido para determinar adequações no recinto onde estão alojados os animais também já é objeto de apreciação do juízo estadual, que inclusive deferiu tutela de urgência quanto a este ponto, razão pela qual eventual descumprimento da decisão deve ser questionado naqueles autos.
Adotou-se como fundamento que a competência administrativa referente à fiscalização das condições de guarda dos animais é do órgão estadual, Inea. Sendo assim, considerando o disposto na LC nº 140/2011, o único pedido que foi admitido na esfera federal diz respeito à pretensão de ‘anular o processo de importação”. Sobre este ponto, foi deferida tutela de urgência suspendendo o procedimento de importação em curso no Ibama sob o nº 02001.006168/2022-68 e os requerimentos nº 150632, nº 150633 e nº 150634, que solicitaram, respectivamente, a importação de 18 girafas, 15 zebras e 24 impalas, bem como a Licença Cites código 21BR036920/DF, datada de 6 de julho de 2021, que autorizou, até 6 de janeiro de 2022, a importação de 18 girafas.
A conclusão das investigações - No que pertine às investigações ainda curso para apurar as causas e circunstâncias da morte das três girafas, bem como para investigar suposta ilegalidade das importações, o MPF formulará seu convencimento sobre o enquadramento jurídico dos fatos após a conclusão do Inquérito presidido pela Polícia Federal.
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